JUSTIFICATIVA:


Tenho a honra de submeter à consideração dos nobres Vereadores, para fins de apreciação e pretendida aprovação, atendidos os dispositivos que disciplinam o processo legislativo, o incluso Projeto de Lei que: “institui o Programa de Valorização de Protetores e Cuidadores de animais soltos ou abandonados no Município de Sorocaba”, pelos motivos a seguir:

Não obstante a previsão de implantação a criação do Conselho Municipal de Proteção e Bem-Estar Animal – CMPBEA, pela Lei nº 11.658/2019, é fato que nossa cidade ainda está carente de abrigo e tratamento voltados aos animais soltos e abandonados. 

Daí a importância da valorização do papel desempenhado pelos protetores e cuidadores de animais, que, voluntariamente, à míngua de inúmeros percalços, se dedicam a causa dos animais abandonados e sem donos em seus bairros e comunidades, sem apoio nenhum do Estado. 

Os protetores e cuidadores são pessoas que, em geral, custeiam todas as despesas de tratamento destes animais quando resgatados, manutenção e preparo para a adoção, que muitas vezes demoram acontecer e, em alguns casos, nunca se efetivam, ficando os animais sob os cuidados do protetor ou cuidador voluntário.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) apontara que pelo menos 30 milhões de animais são abandonados no Brasil, sendo 18 milhões cachorros. 

O abandono de animais aumenta nas férias de verão, quando pessoas deixam o local onde moram para viajar e, por não saberem o que fazer com os animais de estimação, acabam abandonando os bichinhos. E aí que entram os defensores de animais independentes que fazem o possível para ajudar esses animais abandonados, desde alimentação até auxílio nos tratamentos veterinários e adoções. 

Tudo para que os animais tenham a segunda chance. 

Assim, o presente projeto de lei pretende criar um cadastro para tais pessoas no Município de Sorocaba, para que possam receber, paulatinamente, o devido apoio e incentivo por parte do poder público, no desempenho desse relevante serviço que prestam à sociedade e meio ambiente local. 

Sob o aspecto estritamente jurídico, a propositura reúne condições para prosseguir em tramitação, uma vez que apresentada no regular exercício da competência legislativa desta Casa, conforme restará demonstrado. 

Inicialmente, deve ser destacado que o Município possui competência para legislar sobre assuntos de interesse local, bem como para organizar e prestar os serviços públicos de interesse local (art. 30, I e V, Constituição da República). 

Convém lembrar que os animais, mesmo os domésticos, constituem parte integrante da fauna, sendo abarcados pela definição legal de meio ambiente e de recursos ambientais, nos termos da Lei Federal n° 6938, de 31 de agosto de 1981, que trata da Política Nacional de Meio Ambiente: 

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: 

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; 

V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. 

Exatamente neste sentido dispõem o art. 225 da Constituição Federal e o art. 178 e seguintes da Lei Orgânica do Município.

Cumpre observar que a propositura não dispõe sobre organização administrativa, bem como não versa sobre servidores públicos, nem sobre seu regime jurídico, portanto o projeto de lei cuida de matéria não prevista no rol taxativo de matérias reservadas à iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, conforme disposto no art. 38 da Lei Orgânica do Município. 

Logo, a lei atacada cuida de matéria não prevista no rol de temas reservados à iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (artigo 24, § 2, da Constituição Estadual, aplicável por simetria ao Município), rol esse que, segundo posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal e por diversas decisões deste Órgão Especial, é taxativo.

Extrai-se das reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal: (...) a jurisprudência que esta Corte consolidou a propósito do tema referente à reserva de iniciativa, sempre excepcional, do processo de formação das leis. Cabe observar, no ponto, por necessário, que o Plenário desta Suprema Corte, ao julgar a ADI 3.394/AM, Rel. Min. EROS GRAU, apreciando esse específico aspecto da controvérsia, firmou entendimento que torna acolhível a pretensão recursal ora em exame, como resulta evidente da seguinte passagem do voto do eminente Ministro EROS GRAU: 'Afasto, desde logo, a alegada inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, já que, ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local. Também não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo estadual. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em 'numerus clausus', no artigo 61 da Constituição do Brasil, dizendo respeito às matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Não se pode ampliar aquele rol, para abranger toda e qualquer situação que crie despesa para o Estado-membro, em especial quando a lei prospere em benefício da coletividade.' (grifei). Esse entendimento encontra apoio na jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou a propósito da iniciativa do processo legislativo (RTJ 133/1044 RTJ 176/1066-1067), como o revela fragmento do julgado a seguir reproduzido: '(...) - A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo deve, necessariamente, derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...).' (RTJ 179/77, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)” . “O respeito às atribuições resultantes da divisão funcional do Poder constitui pressuposto de legitimação material das resoluções estatais, notadamente das leis. - Prevalece, em nosso sistema jurídico, o princípio geral da legitimação concorrente para instauração do processo legislativo. Não se presume, em conseqüência, a reserva de iniciativa, que deve resultar - em face do seu caráter excepcional - de expressa previsão inscrita no próprio texto da Constituição, que define, de modo taxativo, em 'numerus clausus', as hipóteses em que essa cláusula de privatividade regerá a instauração do processo de formação das leis” 4 . “(...) Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública local. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em 'numerus clausus', no artigo 61 da Constituição do Brasil (...)”5 “(...) Prevalece, em nosso sistema jurídico, o princípio geral da legitimação concorrente para instauração do processo legislativo. Não se presume, em conseqüência, a reserva de iniciativa, que deve resultar - em face do seu caráter excepcional - de expressa previsão inscrita no próprio texto da Constituição, que define, de modo taxativo, em 'numerus clausus', as hipóteses em que essa cláusula de privatividade regerá a instauração do processo de formação das leis.”

A propósito, a Suprema Corte fixou, em regime de repercussão geral, a tese de que “não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo, lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal)” (Tema 917), orientação jurisprudencial respeitada pela lei questionada.

Indubitável, igualmente, que a lei em debate não se constitui em ato concreto de administração e não representa usurpação de atividades relacionadas à organização e funcionamento da administração ou ao seu planejamento e direção.

Cuida-se de norma geral, editada a fim de valorizar e estimular a proteção e cuidado de animais soltos ou abandonados no âmbito local, matéria de competência legislativa concorrente do Município, por força do artigo 24, VI c.c. artigo 30, I e II, da Constituição Federal. Vale lembrar, nesse sentido, que se trata de tema afeto à proteção do meio ambiente e fauna urbana.

E cabe ao Executivo implementá-la por meio de provisões especiais, com respaldo no seu poder regulamentar (artigos 84, IV, CF, e 47, III, CE), observadas a conveniência e oportunidade da administração pública, como bem consignado na própria lei.

Frise-se que os dispositivos atacados limitam-se a prever (a) a facilitação do atendimento e tratamento de animais em situação de abandono, como um dos objetivos da lei, (b) a criação de um cadastro obrigatório anual dos protetores e cuidadores perante as autoridades municipais responsáveis, sem definir essas autoridades, (c) o atendimento preferencial para emergência e avaliação clínica, vacinação antirrábica e esterilização gratuita aos animais cuidados pelas pessoas cadastradas, bem como (d) a necessidade de identificação dos protetores de animais cadastrados e (e) os requisitos para a realização do cadastro. 

Quanto ao último artigo (6º), ademais, a norma expressamente estabelece que “caberá aos órgãos competentes dispor sobre as formas de cumprimento e fiscalização desta Lei”, oportunidade em que o Executivo, com respaldo no seu poder regulamentar, especificará os órgãos responsáveis e suas atribuições para fins execução do comando legal.

Assim, não se pode afirmar que houve usurpação das atribuições do Poder Executivo. 

Também não se constata qualquer contrariedade à Constituição Estadual unicamente por este projeto gerar eventuais ônus ou dever de fiscalização à administração pública. Importante lembrar que ao Executivo e ao Legislativo correspondem, tipicamente, funções específicas e separadas. Consta da obra “Direito Municipal Brasileiro”, de Hely Lopes Meirelles: “em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos e convém se repita que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie'; a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental”. 

E arremata o autor: “a Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução”.

A concretização de leis que disciplinam abstratamente programa de proteção animal, sem cronogramas rígidos e sem estipular atribuições a órgãos administrativos específicos, está entre as atividades típicas do Poder Executivo, sendo inerente à sua atuação; dessa forma, é lícito ao Poder Legislativo Municipal impor ao Executivo local o exercício dessas funções.

Portanto, a propositura encontra-se em sintonia com o ordenamento jurídico.

Ante o exposto, proponho o presente Projeto de Lei, para que seja analisado com o costumeiro bom-senso dos nobres edis, na certeza de aprovação.